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Revista Tesela ISSN 1887-2255

 

 

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A inovação tecnológica e o cuidado de enfermagem

Maria de Lourdes de Souza,1 Marta Lenise do Prado,2 Grace Teresinha Marcon Dal Sasso,3 Cleusa Rios Martins,4 Marisa Monticelli5
1Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Coordenadora Geral da Rede de Promoção do Desenvolvimento da Enfermagem (REPENSUL). Membro do Grupo de Pesquisa Cuidando e Confortando (C&C/UFSC). Professora Colaboradora do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN/UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.2Enfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação, Saúde e Enfermagem (EDEN-UFSC). Professora do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN/UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. 3Enfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem. Vice Líder do Grupo de Pesquisa em Tecnologias, Informação e Informática em Saúde e Enfermagem (GIATE-UFSC). Professora do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN/UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. 4Enfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora Aposentada do Departamento de Enfermagem. Líder do Grupo de Pesquisa em Tecnologias, Informação e Informática em Saúde e Enfermagem (GIATE-UFSC). Professora do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN/UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. 5Enfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem. Vice Líder do Grupo de Pesquisa em Enfermagem em Saúde da Mulher e do Recém Nascido (GRUPESMUR-UFSC). Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN/UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

Correspondência: Maria de Lourdes de Souza, Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Universitário, Trindade Po Box 5193, Florianópolis (Santa Catarina), Brasil

Manuscrito aceitado em 8.3.2010

Temperamentvm 2010; 11

 

 

 

Como citar este documento

De Souza, Maria de Lourdes; do Prado, Marta Lenise; dal Sasso, Grace Teresinha Marcon; Martins, Cleusa Rios; Monticelli, Marisa. A inovação tecnológica e o cuidado de enfermagem. Temperamentvm 2010, 11. Disponivel em </temperamentum/tn11/t7172p.php> Consultado o

 

 

 

Resumo

Trata-se de um ensaio de criação livre, sustentado na idéia dos autores, com a finalidade de oferecer argumentos de como os cuidados de enfermagem contribuem para que sejam produzidas inovações tecnológicas e, por conseguinte, sobre a inserção da enfermagem na comunidade científica e tecnológica. Inclui três partes, a perspectiva global sobre a inovação tecnológica, a inovação tecnológica em enfermagem e como estas refletem no cuidado de enfermagem. Isso porque, o cuidado de enfermagem e o conhecimento a eles associados, são o resultado da experiência vivenciada e compartilhada na prática assistencial. Portanto, a pesquisa em enfermagem é um meio para validar ou modificar a tradição dos cuidados de enfermagem e em todos os processos circundantes e/ou a ele associados. Cabe aos pesquisadores, reinterpretar a prática profissional e fazer voltar para ela o conhecimento científico, de modo a gerar teorias, conceitos, métodos, hipóteses, e inovações tecnológicas, como um veículo para demonstrar a importância social da enfermagem.
Palavras chave: Inovação/ Tecnologia/ Cuidado de Enfermagem.

 

Considerações iniciais

    A finalidade deste trabalho é oferecer argumentos de como os cuidados de enfermagem contribuem para o surgimento de inovações tecnológicas e, por conseguinte, sobre a inserção da enfermagem na comunidade científica e tecnológica. O cuidado de enfermagem às pessoas constitui-se na própria essência da Enfermagem. Portanto, é um serviço profissional prestado tanto na dimensão pessoal quanto na social, por ter como finalidade a preservação do ser humano, e, assim, também a da espécie humana. É serviço profissional porque requer competência e habilitação legal para o seu exercício. Esse cuidar evoca um relacionamento entre cidadãos em distintas situações, fazendo parte da mesma história, porém exercendo papéis diferentes nos mesmos tempo e espaço.

A Enfermagem, como disciplina, tem documentado como marco de sua estrutura formal os postulados de Florence Nightingale, Século XIX (1859), notadamente quando esta definiu ser a finalidade da enfermagem diferente daquela da medicina.

A Enfermagem, ao realizar e gerir o cuidado de enfermagem, produz dados, informações e conhecimentos, os quais, conjuntamente, a caracterizam e lhe dão sustentação e legitimidade como disciplina e como profissão. Os dados referem-se aos elementos descritivos acerca do que a enfermagem faz: é a expressão pura e simples do registro de suas práticas no cuidado humano, sem qualquer tratamento lógico ou de conotação interpretativa. As informações referem-se aos dados como sendo a representação mental sobre eles, dando-lhes suporte teórico, para que possam ser interpretados quanto ao seu significado. A elaboração das informações de enfermagem envolve a coleta e a organização dos dados, ou seja, a seleção e sistematização dos dados segundo um critério lógico, desenvolvido com base em um suporte teórico, buscando atender a um objetivo. O conhecimento é o resultado da articulação das informações. Na perspectiva de Davenport & Prusak, conhecimento é o fluido misto da experiência vivenciada, dos valores, da informação contextual e dos intuitos dos profissionais que promovem uma estrutura que seja capaz de avaliar e incorporar novas experiências e informações.1

O cuidado de enfermagem e o conhecimento a ele associado, portanto, são o resultado da experiência vivenciada e compartilhada na prática assistencial e/ou em uma pesquisa. Na prática assistencial, a criação do conhecimento é dinâmica, ocorre de múltiplas formas, pois os partícipes do cuidado de enfermagem contribuem de diferentes maneiras, porém nem sempre as tecnologias que emergem de tais contribuições são registradas. Isto porque o saber construído na prática faz parte da tradição do cuidado humano que a enfermagem realiza, além de ser determinado pela realidade sociocultural. O cuidado de enfermagem tem sentido e existência, ou seja, se torna real, concreto, quando é compartilhado com o ser humano que dele necessita e que, como partícipe, contribui para sua valorização, validação e/ou reconstrução.

A prática, portanto, ao formar e revelar a tradição cria um novo cenário para a pesquisa. Isto ocorre quando os dados são registrados; as informações, geradas; as necessidades, demonstradas e, por conseguinte, novas hipóteses devem ser formuladas É, aí, então, que surge a exigência do encontro entre o fazer e o pesquisar em enfermagem. Ocorre o mesmo tanto quando as tecnologias emergentes são discutidas, quanto a valoração do conteúdo e a limitação das teorias e dos métodos de pesquisas, particularmente em termos de significado para a prática. É, também, na prática assistencial que são reveladas novas necessidades que, poderão, ou não, vir a ser analisadas e incorporadas pelo mercado, particularmente no que se refere a produtos e inovações passíveis de aplicação no cuidado de enfermagem. A pesquisa em Enfermagem é um meio para validar ou modificar a tradição no cuidado de enfermagem e em todos os processos circundantes e/ou a ele associados. Portanto, cabe aos pesquisadores, reinterpretar a prática profissional e fazer voltar para ela o conhecimento científico, de modo a gerar teorias, conceitos, métodos, hipóteses, e inovações tecnológicas, além de reinterpretar a arte, a educação e a pesquisa, para que ocorra a inovação tecnológica no cuidado de enfermagem, como sendo outro componente do desenvolvimento científico da enfermagem, e se constitua em mais um veículo para demonstrar a importância social da enfermagem.

Metodologia

    Este ensaio foi escrito a partir de reflexões sobre os textos produzidos anteriormente,2-7 e inclui a perspectiva global sobre inovação tecnológica e inovação tecnológica na enfermagem e como estas se refletem no cuidado de enfermagem.

Reflexão é aqui entendida como o pensar sobre o pensado e escrito, a partir de uma leitura dos conceitos de tecnologia, inovação e inovação tecnológica.8-12 Ensaio porque é uma criação livre, sustentada na idéia dos autores, cuja criação tem a  finalidade de oferecer argumentos de como os cuidados de enfermagem contribuem para o surgimento de inovações tecnológicas e, por conseguinte, sobre a inserção da enfermagem na comunidade científica e tecnológica.

O  termo ensaio foi usado pela primeira vez em 1580, pelo francês Michel de Montaigne, que é considerado, com seus ensaios, o criador do gênero: "O ensaio tem caráter não sistemático e experimental e, o próprio termo ensaio significa tentativa e pode abordar assuntos literários, históricos, filosóficos, religiosos ou científicos, entre vários outros [...]".13

O ensaio

Parte I - A perspectiva global sobre inovação

    Inovação, no sentido etimológico da palavra, provem do latim innovatione que significa ato ou efeito de fazer novo, novidade. Inovar significa tornar novo; renovar; introduzir algo até então ignorado. Novidade! Como a produção de um artigo lançado recentemente no mercado.... originalidade, singularidade.

A inovação é a geração de novas idéias, ou a aplicação das idéias para uma nova situação, o que resulta de uma pesquisa para a melhoria de um serviço, programa, estrutura, produtos e/ou processos. As pesquisas podem resultar em inovações que produzem os novos modos de realizar uma atividade e/ou novos produtos, mudanças de comportamentos, novas culturas no trabalho e, também, novos mercados.
No Brasil, a inovação tecnológica é definida em lei como a concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo, que implique em melhorias incrementais e efetivos ganhos de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado.14

Muitas foram as inovações que desencadearam novos modos de viver e conviver, desde o nascer ao morrer, em todas as sociedades e em todos os tempos.

Destacam-se como marcos de inovação tecnológica a Revolução Industrial e a Revolução da Comunicação e Informação. A Revolução Industrial, intensificada na Inglaterra no Século XVIII, mas iniciada com a invenção do moinho de vento no século XVII, determinou transformações nos diversos processos de trabalho e introduziu vários produtos no mercado. A Revolução da Comunicação e Informação, no século XXI, torna visível a sociedade global e proporciona meios para a comunicação e o acesso ao conhecimento produzido, em todos os lugares do mundo, de modo simultâneo.

Convém aqui destacar que em pleno século XXI muitos lugares do mundo ainda vivem e convivem de distintos modos e como se estas duas revoluções mencionadas não tivessem ocorrido, particularmente, no que se refere aos processos de trabalhos aos quais os humanos são submetidos.

Mas, inovações são distintas no tempo e espaço. O que é inovação em um dado lugar pode não o ser em outro, tomemos, como exemplo, a luz elétrica. Esta inovação, com suas múltiplas finalidades, expõe de modo mais claro as diferenças temporais e espaciais, no sentido do que é o novo, a novidade. Ela é consagrada como um bem de consumo, mas em determinadas sociedades ainda é uma novidade e até mesmo uma utopia enquanto produto de consumo. Esta não é a única inovação que atesta as disparidades do conhecimento humano e os diferentes modos pelos quais uma inovação se insere no mercado; dá origem a outras inovações e demonstra a capacidade criativa do ser humano, apesar das utopias apregoadas ou propostas. Por que tais capacidades criativas seriam limitadas ao ser humano?

Na formação das sociedades humanas muitos são os modos de convivência, o que decorre da diversidade do entendimento do que seja inovação nas áreas dos produtos e/ou processos. O ser humano desenvolve idéias e mecanismos para tornar essas inovações inteligíveis e reconhecidas como benéficas à própria vida em sociedade. Cada nova interação dá sentido e significado distinto a uma idéia, a uma criação, à utilização ou aproveitamento de algo criado ou recriado. As idéias são, de certa maneira, a representação daquilo que o ser humano faz, da sua maneira de viver, da forma como se relaciona com a natureza, de como participa da produção do conhecimento e da inovação da própria vida. Assim são criadas as oportunidades para que se interpretem situações e a elas se associem novas maneiras de traduzir o vivido e recriá-lo à luz de novas idéias e, oportunidades, de novos conhecimentos cabíveis para o processo criativo. Assim, a inovação se faz presente na vida do ser humano. Basta que sejam lembradas algumas contribuições para a vida em sociedade: o aproveitamento do fogo; a adoção e feitura do vestuário; a utilização dos meios de transporte -do cipó ao avião; o aperfeiçoamento dos meios de comunicação- dos sinais de fumaça às redes virtuais; da palavra escrita aos livros virtuais.

As inovações decorrentes do pensar e do fazer do ser humano são, ainda, criadas ou aplicadas tanto para o bem quanto para o mal. Como exemplo temos a energia atômica e as tecnologias bélicas. Várias inovações também implicaram em prejuízo para o ser humano, é o caso dos antibióticos que criaram as resistências microbianas e as infecções hospitalares; os computadores como instrumento de trabalho e as doenças profissionais como as LER. A historicidade das inovações demonstra que os processos criativos, inovadores, também alteram as relações entre seres humanos, entre estes e outros seres e ambientes e podem resultar em catástrofes coletivas. O pensamento criador é inovador, exploratório, aventureiro; é impaciente frente à convenção; é atraído pelo desconhecido e, se sem limites, exerce a liberdade de explorar a utopia em idealização.

A novidade, a inovação, emerge em grande parte causada por uma dada reflexão sobre o conhecimento existente, enfocado por outros ângulos mediante interrogações, necessidades, suposições, valores, conjecturas, utopias, negações e, frequentemente, o simples desejo de ir além do vivido. A inovação, enquanto processo criativo, decorre do desejo de um pesquisador de explorar de modo planejado a realidade. De maneira simbólica projeta-se um paralelo entre o artista é o pesquisador. Ambos se inspiram nas experiências anteriores para transformá-las em ato criador. O artista transforma suas experiências em peças de teatro ou obra de arte, enquanto o pesquisador sistematiza e transforma dados em informações e conhecimentos com o quais cria inovações sob a forma de processos ou produtos. Tanto o pesquisador quanto o artista trabalham por meio da intuição e do intelecto; ambos progridem a partir de idéias que são pressentidas mais do que compreendidas; e por terem "quanta" equivalentes tanto de sensações quanto de pensamentos, determinam a ação humana.

Entretanto, a novidade por si só não se torna uma inovação. A inovação decorre da idéia criativa, mas, não é ela em si mesma. Esta precisa ter relevância, estar associada a um projeto de pesquisa e ter como finalidade dar resposta, com produto ou processo, a uma situação particular, a partir da própria situação que gerou a sua necessidade. Toda inovação desencadeia mudanças, agrega valores, insere-se no mercado. Portanto, deve ser respaldada por atitudes éticas e contar com os suportes legais do contexto no qual é gerada.

Parte II - Inovações no cuidado de enfermagem

    O novo suporte para melhorar a vida de uma pessoa e, também, para prover soluções criativas para melhorar o desenvolvimento do cuidado de enfermagem, é uma inovação em enfermagem.

Na área da enfermagem, Florence Nigthingale (1820-1910) destaca-se como referência em termos de inovação no processo de cuidar. O sentido de oportunidade ao associar idéias, conhecimentos, habilidades e antevisão do futuro, aliado à observação lhe possibilitaram preconizar que a finalidade da enfermagem é diferente daquela da medicina. Em suas "Notas sobre Enfermagem" ela ofereceu premissas para avaliar-se o que seja o processo de cuidar, além de suas idéias sobre o ser enfermeira e, mais ainda, que o trabalho da enfermeira resulta: potencializar a "capacidade vital ou força vital do ser humano". O processo preconizado por ela determina que o cuidado de enfermagem não deve causar danos associados ao cuidado -premissas da ética da enfermagem.

O legado de Florence Nigthingale revolucionou também a organização hospitalar, a epidemiologia das doenças, a política sanitária inglesa, além de outras delas decorrentes, e deu origem à inovação no campo das idéias sobre o que é Enfermagem. A partir da década de 1950, várias enfermeiras apresentaram suas proposições teóricas, as quais têm resultado em inovações no processo de cuidar.15 Estas contribuições vêm iluminando a tradição -o processo de cuidar da enfermagem- desencadeando mudanças importantes tanto na educação quanto nas pesquisas e influenciando a formação de vários cursos de pós-graduação em todo o mundo. Além disto, impacta os processos de trabalho da enfermagem no que se refere às conquistas políticas sobre os marcos legais do exercício profissional da enfermagem, embora que ainda de modo diferenciado nos distintos continentes.16

O cuidado de enfermagem, assim, se consagra socialmente como a essência da Enfermagem. Portanto, é um serviço profissional com sua competência definida em vários países por leis sobre seu exercício profissional, prestado tanto na dimensão pessoal quanto social, e cuja finalidade precípua é a preservação do ser humano, e assim, também a da espécie humana. O cuidado de enfermagem instaura um estreito relacionamento entre cidadãos em situações distintas ainda que nos mesmos espaço e tempo. Os dois ou mais participantes fazem parte da mesma história, mas exercendo papeis diferentes, embora a eles diga respeito os valores acerca do cuidado de enfermagem, particularmente no que se refere à maneira de abordar o existir do outro com a convicção de ser não apenas possuidor ou portador, mas também de criador de valores e instaurador de normas vitais.

O cuidado de enfermagem apresenta, basicamente, duas dimensões: a objetiva e a subjetiva.2 A primeira, facilmente reconhecível, concreta, segundo o senso comum, refere-se às tecnologias, técnicas e aos procedimentos característicos da própria enfermagem; cumprimento da terapêutica médica; acompanhamento de outras terapêuticas; medidas propiciadoras de conforto e bem estar; inclusive os do ambiente, registro de dados, estatísticas e sistemas de informação. A segunda dimensão refere-se às tecnologias interativas (acolhimento, observação, intuição, sensibilidade, criatividade, humanismo e gênero), sendo estas passíveis de aplicação desde a admissão até a despedida do cliente e os vários encontros que ocorrerem durante o ciclo vital.

A premissa de que a essência da enfermagem é o cuidado de enfermagem e que, nele, se concebem duas dimensões, uma objetiva e outra subjetiva, torna clara a abrangência das inovações nesta área.

As inovações no cuidado, naquilo que se referem ao processo de cuidar, têm Florence Nigthingale como pioneira e as demais teoristas como coadjuvantes de uma história científica e tecnológica em construção.17 As inovações representam as especificidades do cuidar, respaldado no conhecimento científico da própria enfermagem e o agregado originado em outras ciências. Várias técnicas de enfermagem foram produzidas e/ou sistematizadas e, em seguida, postas no mercado como integrantes do saber próprio do cuidado de enfermagem. De modo complementar às técnicas de enfermagem (aqui consideradas parte do processo) também foram criados produtos que foram incorporados à produção industrial e à comercialização (bola de algodão, torundas, gaze IV e outras...). As inovações, referentes aos produtos, em sua maioria, foram produzidas e postas no mercado por profissionais de outras áreas, embora grande parte daquelas tenha sido alvitrado pelos integrantes da enfermagem e demonstrada como necessidade decorrente do processo de trabalho.

Estaria tal situação relacionada com a relevância dos avanços científicos e tecnológicos da Enfermagem? Estaria relacionada com os valores acerca do poder /autonomia, identidade profissional no processo de produção e conhecimento produzido?

No cenário do trabalho em saúde, refletir sobre poder e autonomia implica em reconhecer o exercício profissional no contexto da saúde, que, num modo interdisciplinar, são complementares. Isto significa dizer que todos têm contribuições a dar para o processo de inovação científica e tecnológica, a começar pela análise do que sejam saúde, doença e direitos dos seres humanos. É preciso, portanto, que os integrantes da enfermagem construam o sujeito da profissão (no sentido, apontado por Morin,18 como aquele que se posiciona no centro do seu mundo para lidar com ele, considerá-lo, realizar nele todos os atos de preservação, proteção e defesa) ao superar a fragmentação de sua prática e ao legitimar-se como agente de uma disciplina e de uma profissão, fortalecendo, assim, sua identidade profissional. Identidade profissional esta compreendida, como diz Uribe apud Catrillón, no espaço dos intercâmbios sociais, desde onde se constroem e se reconstroem os imaginários coletivos, os referentes de identidade, o reconhecimento das igualdades e das diferenças.19

A inovação tecnológica é urgente no que se refere aos sistemas de comunicação e informação que facilitem o resgate e o acesso aos dados sobre o que é criado na prática (processos e produtos, a memória da enfermagem) para transformá-los em informações e conhecimentos passíveis de ser colocados em prol do ser humano e também do processo de construção do conhecimento da enfermagem.5

A inovação tecnológica na enfermagem, portanto, requer a reavaliação da sua comunicação e informação, em si mesma, enquanto disciplina, e com a sociedade, o que dá sentido à sua existência. Acompanhar e fazer parte da comunidade científica e tecnológica, criando e documentando o que cria, além de responsabilizar-se socialmente pelo que criar, são, ao mesmo tempo, deveres éticos e direitos dos integrantes da enfermagem. Assim também será possível realizar a crítica dos processos e produtos de sua criação, mediante os compromissos éticos que tem enquanto disciplina e profissão. Por outro lado, a autonomia e os direitos políticos e legais da enfermagem, na prática, lhe serão incorporados quando as dimensões objetivas e subjetivas do cuidado de enfermagem e o que representam para o social e econômico forem reconhecidos pela sociedade. Os processos de pesquisa precisam ser elaborados de modo a resultarem em inovações visíveis à sociedade como componentes da produção e do acervo de informação da enfermagem enquanto disciplina e exercida por profissionais que a escolheram como campo de trabalho.10,11

Considerações finais

   O cuidado de enfermagem como um conjunto de ações objetivas e subjetivas gerador de processos e produtos, e que requerem competência e regulamentação ética e legal para que se efetive na prática, também como inovação representa oportunidades de negócio.

Mas, as identificação, avaliação e o refinamento de uma idéia para transformá-la em um conceito de negócio é um problema, pois, a inovação perpassa por três perspectivas: pessoal; coletiva ou social e contextual.9

Estariam os enfermeiros preparados para o mundo dos negócios enquanto produtores de inovações? Assim, é pertinente perguntar:

-A educação da enfermagem, particularmente durante a graduação, mobiliza a capacidade criativa?
-Os alunos desenvolvem atividades de busca de dados, informações e conhecimentos que revelem o valor do cuidado de enfermagem?
-Serão as atividades de ensino interativas e focadas na geração de novas idéias e no reconhecimento da potencialidade de mercado que a enfermagem tem?
-Os erros são tomados como oportunidades para superação de limites?
-As habilidades são trabalhadas a partir da potencialidade dos alunos e do próprio mercado no qual a enfermagem se insere?
-A competitividade intelectual é mobilizada para um exercício ético e saudável?

A inovação tecnológica do cuidado de enfermagem é antes de tudo decorrente da estimulação da capacidade criativa, da participação em pesquisa, do gosto pelo conhecimento, das inquietações criativas de cada ser humano e, também do compromisso com a vida em sociedade. Mas, por que a maioria dos enfermeiros nos diversos campos de prática, ainda é alijada dos projetos de pesquisa, da geração de conhecimento para e sobre a prática, da produção de produtos e processos passíveis de aplicação no cuidado de enfermagem?4

Perguntas e inquietações geram novas idéias. Um modo de potenciá-las é a Gestão do Conhecimento. Esta tem a perspectiva de tornar acessíveis dados, informações e conhecimentos; redução das desigualdades no acesso a informação e conhecimento pela Enfermagem; mobilizar as universidades para que desencadeiem as parcerias necessárias à produção de inovação tecnológica e a gestão do conhecimento.

Como promover gestão do conhecimento em enfermagem?

-Pela educação permanente, pois esta mobiliza o profissional para manter-se conectado ao seu tempo, revisitando suas práticas em saúde, refletindo acerca das demandas sociais.
-Pela proposição de novos modelos de educação/formação de profissionais de enfermagem que adotem metodologias ativas e flexíveis favorecedoras do domínio dos métodos para a produção e consumo do conhecimento científico.
-Pelo fomento à inclusão digital / domínio das tecnologias de informação (TI) pelos profissionais de Enfermagem.

A imersão no mundo da ciência, tecnologia e pesquisa precisa se dar no processo de formação dos profissionais e, para isso, o professor deve estar imbuído de uma concepção ampliada sobre ensinar e aprender a pesquisar. Para que isto ocorra é necessário assumir que a criação e o desenvolvimento de instrumentos inovadores requerem coragem para questionar os dogmas e maneiras de agir existentes, bem como exigem criatividade para superação dos limites.20 Portanto, faz-se necessário promover e/ou adequar a inserção das tecnologias na prática em saúde.

Todas as oportunidades para a Enfermagem, responder ao seu compromisso social, podem ser conquistadas com a construção de formas colaborativas de produção, disseminação e socialização do conhecimento - construção de Redes - que mobilizem os distintos atores para a produção de conhecimento e de inovações, até mesmo nas relações de convivência e solidariedade.

Referências

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5. Dal Sasso GTM, Barbosa SFF, Souza ML. Alertas automáticos gerados por computador para melhorar a segurança do paciente na unidade de cuidado intensivo. In: Anais do XV Colóquio de Enfermería. Quito (Equador): Anais; 2008.
6. Prado ML, Souza ML, Carraro TE, Cisneros GR, Arzuaga MA. Producción del conocimiento en enfermería en América Latina: Un meta-análisis. In: Prado ML, Souza ML, Carraro TE, editores. Investigación Cualitativa en enfermería: Contexto y bases conceptuales. Washington (DC): OPS/OMS; 2008. p.1-15. (Serie PALTEX Salud y Sociedad 2000, n. 9).
7. Martins CR. A imaginação e sentidos no cuidado de enfermagem [Tese de Doutorado]. Florianópolis: Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina; 1999.
8. Merhy EE. Em busca das ferramentas analisadoras das tecnologias em saúde: a informação e o dia a dia de um serviço, interrogando e gerindo o trabalho em saúde. In: Merhy EE, Onocko R, editores. Agir em saúde: um desafio para o público. 2ª ed. São Paulo: Hucitec; 2002. p. 113-60.
9. Bessant J, Tidd J. Inovação e empreendedorismo. Porto Alegre: Bookman; 2009.
10. Reis DR. Gestão da inovação tecnológica. São Paulo: Mano Lê; 2004.
11. Mañas AV. Gestão de tecnologia e inovação. São Paulo: Érica; 2001.
12. Pinto TM, Souza ML, editores. Filosofia na enfermagem: algumas reflexões. Pelotas (RS): Ed. UFPel; 1998.
13. Sartor VVB, Cruz Jr JB, Souza ML. Relatório da cátedra globalização e humanismo na administração da saúde pública. Projeto Humanismo Latino. Florianópolis (SC): Fondazzione Cassamarca; 2002. p. 304  (Relatório técnico).
14. Lei nº 11.1196, de 21 de novembro de 2005. Institui o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação - REPES, o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras - RECAP e o Programa de Inclusão Digital; dispõe sobre incentivos fiscais para a inovação tecnológica; altera o Decreto-Lei no 288, de 28 de fevereiro de 1967 [....] e dá outras providências. Diário Oficial da União. p. 1 (22/11/2005).
15. Tomey AM, Alligood MR. Modelos y teorías en enfermería. Madrid (Spain): Ediciones Harcourt; 1999.
16. Nightingale F. Notas sobre enfermagem: o que é e o que não é. São Paulo: Cortez, [Ribeirão Preto]: CEPEN; 1989.
17. George JB. Teorias de enfermagem: os fundamentos para a prática profissional. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.
18. Morin E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2000.
19. Castrillón MC. La dimensión social de la práctica de la enfermería. Antioquia: Universidade de Antioquia; 1997.
20. Spolidoro RM. As tecnópoles e a sociedade do conhecimento. TecBahia. 1996; 11(1): 26-37.

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