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Revista INDEX DE ENFERMERIA (Edici�n digital) ISSN: 1699-5988

 

 

 

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Práticas de cuidar em enfermagem para a promoção do conforto

Fernanda Carneiro Mussi,1 Kátia Santana Freitas,2 Mariana De Almeida Moraes Gibaut3
1Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, Brasil. 2Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, Brasil. 3Universidade Federal da Bahia. Bahia, Brasil

Corrrespondência: Rua Professor Clementino Fraga, 220, Apto 1901, Ondina, Salvador-BA, Brasil, CEP 40170-050

Manuscrito recibido el 28.3.2013
Manuscrito aceptado el 22.5.2013

Index de Enfermería [Index Enferm] 2014; 23(1-2): 65-69

 

 

 

 

 

 

 

Cómo citar este documento

 

 

Mussi, Fernanda Carneiro; Freitas, Kátia Santana; Gibaut, Mariana De Almeida Moraes. Práticas de cuidar em enfermagem para a promoção do conforto. Index de Enfermería [Index Enferm] (edición digital) 2014; 23(1-2). Disponible en <https://www.index-f.com/index-enfermeria/v23n1-2/9298p.php> Consultado el

 

 

 

Resumo

Considerando a promoção do conforto como motivação básica da ação do(a) enfermeiro(a), como uma categoria política e ética que norteia as suas práticas, objetivou-se refletir sobre práticas de cuidar em enfermagem para a promoção do conforto. Tal reflexão origina-se a partir de resultados da tese de doutorado de uma das autoras que se propôs a investigar o conforto na perspectiva das definições dos sujeitos que o experimentam e de sua interação com as práticas de saúde. Desse estudo, pode-se depreender que as práticas de cuidar em enfermagem promovem conforto quando os indivíduos interagem com a competência técnico-científica, ético e humanística dos(as) profissionais que as praticam. É, portanto, nessa perspectiva e experiência que nos inscrevemos para abordar algumas dimensões dessas práticas que podem promover conforto, sem a pretensão de esgotá-las ou normatizá-las, mas de dar relevância as interações que dignificam os sujeitos, usuários dos serviços de saúde.
Palavras chave: Cuidados de Enfermagem/ Relações Interpessoais/ Humanismo/ Cuidados de conforto.

 

 

 

 

 

 

 

Introdução

    A literatura preconiza o papel do enfermeiro como de provisão, promoção, manutenção e restauração do conforto. A centralidade do conceito, para muitos pesquisadores nacionais e estrangeiros, pode ser estabelecida desde os primórdios da profissão.1-4
    Além disso, na prática, percebe-se que o conforto é algo esperado pelo usuário no processo de cuidado em saúde, e ao mesmo tempo uma preocupação e meta da enfermagem. Não é incomum os(as) enfermeiros(as) perguntarem as pessoas que demandam seus cuidados profissionais: "Você está confortável?" "O que posso fazer para ajudá-lo(a) a ficar mais confortável?" Essas indagações por si só já indicam a busca empírica de parâmetros para nortear a ação da enfermagem. Às vezes, ouvimos dos usuários expressões como "Não estou confortável", "Gostaria de estar mais confortável", dando a entender que o conforto é, para eles, algo esperado do processo de cuidado. Parecem coincidir, assim, a busca do(a) enfermeiro(a) e a expectativa do usuário dos serviços de saúde.
    A palavra conforto deriva de confortar, esta que se origina da palavra latina confortare, que significa restituir as forças, fortalecer, fortificar, consolar, revigorar, animar.
5
    O tema conforto compõe alguns capítulos dos livros de ensino de Enfermagem. Na maioria das definições apresentadas nesses capítulos, o conforto aparece associado a um estado ou sentimento que pressupõe a inexistência de condições indesejáveis. Tais concepções são amplas e subjetivas e o retratam como um estado subjetivo em que se verifica uma sensação de bem-estar físico, mental e social;
6 uma sensação de bem estar emocional, físico e espiritual e a relativa liberdade de sofrimento.7
    Muitos pesquisadores tem elaborado suas próprias definições. Conforto está associado a um estado de bem-estar que pode ocorrer durante qualquer estágio do continuum saúde-doença. Tal estado pode ser temporal, como o alivio temporário da dor, e a longo prazo, como a obtenção de saúde ideal.
8 Conforto é o "estado em que as necessidades humanas básicas de alívio, calma e transcendência são satisfeitas".2
    Embora as definições de conforto contemplem suas múltiplas dimensões expressando a natureza holística do fenômeno e a sua variabilidade individual, vale notar que o associam a um estado estático (de perfeito bem-estar, equilíbrio ou harmonia) e supõem uma situação ideal de saúde; conforto é definido com base em parâmetros externos ao indivíduo. Uma decorrência de usar definições idealizadas de conforto para orientar a prática da enfermagem seria reforçar ainda mais a transformação de seu objeto, ou seja, a promoção do conforto, em imperativo moral, dificilmente realizável. Além disso, supõe-se que os serviços de saúde tenham uma estrutura capaz de promover esse estado de conforto, ou que o enfermeiro seja capaz de promovê-lo, apesar da lógica predominante das instituições de saúde e da complexidade, dinamicidade e multidimensionalidade do ser humano.
4
    A partir da década de 80, a literatura de enfermagem enfatiza a importância da pesquisa empírica e do discurso do sujeito, passando a pensar o conforto nessa perspectiva. Conforto foi investigado do ponto de vista de pessoas em situação de saúde e de doença. Embora, a maioria desses estudos sejam basicamente descritivos, oferecem um avanço importante para o conhecimento do significado de conforto/ desconforto na percepção de usuários de serviços de saúde e enfermeiros(as). Ainda são escassos os estudos que buscam entender como os significados de conforto ou desconforto são produzidos na relação do indivíduo com a doença e com as práticas de saúde.
4
    Considerando que o conforto ou desconforto são estados subjetivos, dinâmicos e produtos da interação, sua compreensão precisa ser buscada nas interações da pessoa consigo mesma, com aqueles que a circundam durante o tratamento, nas situações que enfrenta. Nessa perspectiva, conforto decorre das interações vivenciadas pelo sujeito ao longo de sua trajetória de doença e tratamento - e, portanto, vincula-se aos fatores objetivos das instituições, da racionalidade e práticas que as fundamentam.
3,4 Inscrevemos-nos assim nessa linha que continua a deslocar o foco do conforto da ótica institucional para a pessoal, buscando compreendê-lo na perspectiva do cidadão comum, que necessita dos serviços de saúde. Nessa ótica, depreende-se que as práticas de cuidar em enfermagem podem ser promotoras de conforto ou desconforto a depender da relação estabelecida entre os usuários e os(as) enfermeiros(as).
    A tese de doutorado "Padecendo a perda da espontaneidade da ação: o desconforto vivenciado por homens que sofreram infarto agudo do miocárdio"
3 propôs-se a investigar o conforto na perspectiva das definições dos sujeitos que o experimentam e de sua interação com as práticas dos profissionais que o proporcionam, recorrendo ao Interacionismo Simbólico e à metodologia da Teoria Fundamentada nos Dados. Entrevistas realizadas em dois hospitais paulistas permitiram captar as situações definidas como de conforto ou desconforto por indivíduos que sofreram infarto do miocárdio. Desse estudo pode-se depreender que as práticas de cuidar em enfermagem promovem conforto quando aqueles que necessitam de nossos cuidados profissionais interagem com a competência técnico-científica, ético e humanística.3,4 É, portanto, nessa perspectiva e experiência que aqui inscrevemos-nos a abordar e realçar práticas de cuidar em enfermagem que podem promover conforto, sem a pretensão de esgotá-las ou normatizá-las, mas de dar relevância às interações que dignificam os sujeitos, usuários dos serviços de saúde.
    Constitui-se, portanto, em objetivo do estudo refletir sobre práticas de cuidar em enfermagem para a promoção do conforto.

Cuidados em enfermagem para a promoção do conforto

    Desde os primórdios até o presente, a enfermagem tem enfatizado que sua função primordial é a promoção do conforto. Todavia, ao evoluir de sua origem genuinamente filantrópica, a instituição mais emblemática da saúde -o hospital- passou a ditar uma noção de conforto com base em uma lógica racional e funcional de caráter empresarial. Assim, a noção de conforto passou a ser determinada por parâmetros externos ao paciente, baseando-se na lógica de "venda" de serviços de saúde, o que nem sempre resulta em conforto. E, o conforto precisa ser compreendido a luz das interações estabelecidas pelos usuários dos serviços de saúde, visto que a noção de conforto é produzida nessas interações. Nessa perspectiva, a(o) enfermeira(o) e as práticas de cuidar em enfermagem são objetos de interação desses usuários, e portanto, podem promover conforto ou desconforto.
    Evidenciei, no estudo realizado, que na situação de internação, conforto foi associado às possibilidades de interação interpessoal (em que o sujeito era considerado como pessoa), e à constatação de que sua sobrevivência "estava em boas mãos", ou seja, da qualidade técnica do atendimento a ele dispensado.
3,4 Pode-se depreender que a experiência de pessoas que adoecem revela que o conforto não está, essencialmente, relacionado com os padrões de hotelaria vendidos pelo hospital-empresa, nem tampouco com sua racionalidade funcional e econômica, onde a divisão do trabalho ou a insuficiência de recursos humanos impossibilitam interações intersubjetivas e coisificam os indivíduos. Durante a hospitalização, o conforto foi proporcionado por trocas intersubjetivas, pelas demonstrações afetivas e pela excelência técnico-científica.
    Nesse sentido, uma questão importante suscitada é que as práticas de enfermagem devem extrapolar a unidimensionalidade do cuidar. Cuidado esse que não deve se basear nas noções de corpo como máquina, da doença como conseqüência de uma avaria na máquina, e da tarefa do(a) enfermeiro(a) como de ajuda para o "conserto" da "parte danificada" do corpo. Hoje, o saber de enfermagem já extrapola essa concepção meramente mecanicista, na medida em que considera fatores psicológicos e sociais da doença e o indivíduo como partícipe do processo de cuidar. Quero salientar que o processo de cuidar não deve apenas pensar conforto como recuperação da dimensão mecânica, fisiológica, do indivíduo. As práticas promovem conforto quando resgatam a subjetividade do ser humano, o seu projeto de vida e de felicidade, atingem o sentimento e o sofrimento de quem adoece, enfim, qualificam as relações interpessoais.
    As práticas de enfermagem podem promover conforto quando se traduzem no acolhimento do usuário evidenciado na abordagem gentil, afetuosa e respeitosa, no interesse pela compreensão das crenças e valores e demandas por cuidados de saúde, no respeito as diferenças, na ocupação pela minimização de seu sofrimento.
4 Acolher expressa uma atitude de inclusão, uma ação de aproximação, um "estar com" e um "estar perto de".9
    Os sujeitos sentiram-se confortados quando considerados pessoas ao invés de meros objetos de cuidados, reduzidos a um quadro clínico que requer intervenção. Como humanos somos seres sensíveis, capazes de escolher e com necessidades de afeto e atenção que não a estritamente técnica. Como humanos, ao adoecer somos invadidos por sentimentos que nos ameaçam, como medo, insegurança, impotência, vergonha, constrangimento etc, os quais não podem ser ignorados, mas demandam compreensão. Confortar pressupõe "estabelecer relações de troca e envolvimento entre os sujeitos, e essas relações estão permeadas de conteúdos emotivos, que ao serem expressos precisam ser acolhidos".9 "O profissional cuidadoso, que se move pela ética do cuidado, vai ao encontro do outro com vistas a criar laços de confiança e vínculo para acompanhar as pessoas de quem está cuidado".9
    O adoecer gerou para os sujeitos estudados o desconforto da incerteza de ter a vida recuperada.
3,4 È inquestionável que quando adoecemos precisamos ter a segurança de que estamos em "boas mãos" porque almejamos a nossa recuperação. Assim, as práticas de cuidar também promovem conforto quando o(a) enfermeiro(a) centra-se nas interações com a esfera da tecnologia, quando tais práticas são fundamentadas em conhecimentos técnicos e científicos e em habilidades psicomotoras aprimoradas.
    Queremos enfatizar que não há dúvida quanto a importância da tecnologia colocada à disposição da manutenção e restauração da vida humana. A intervenção técnico científica salva a vida. Portanto, o conforto decorre também das interações com os méritos dessa racionalidade. Precisamos sentir confiança naqueles que cuidam de nós, ou seja, perceber que estamos sendo cuidados por pessoas capacitadas e atentas e, em serviços que dispõem dos melhores recursos humanos e tecnológicos para possibilitar a recuperação minimizando o sofrimento, as incapacidades e assegurando maior chance de sobrevivência.
3,4 O uso indevido dos recursos tecnológicos pode colocar a vida de um indivíduo em risco e, portanto, reitera-se a importância de conhecimentos técnicos e racionais que possibilitem fundamentar as ações perante as tecnologias.10 É indubitável que as práticas de cuidar em saúde promovem conforto na medida em que aliviam o sofrimento provocado por inúmeros desconfortos físicos como a dor, a dispnéia, a fadiga, a náusea etc. Assim sendo, adotar práticas de cuidar em enfermagem demanda identificar na literatura científica as principais evidências que sustentam as ações de enfermagem, reduzindo a possibilidade da ocorrência de eventos adversos e promovendo a segurança do cuidado.
    Defendemos, portanto, que o(a) enfermeiro(a), em suas interações, privilegie tanto a excelência técnica, quanto a solidariedade e a humanidade, pelas trocas intersubjetivas. Para Ayres,
11 a intervenção técnica articula-se verdadeiramente como cuidar quando o sentido da intervenção passa a ser não apenas o estado de saúde visado de antemão, nem somente a aplicação mecânica das tecnologias disponíveis para alcançar este estado, mas o exame da relação entre finalidades e meios e seu sentido prático, conforme um diálogo o mais simétrico possível entre profissionais e usuários dos serviços, uma vez que cuidar da saúde de alguém é mais que intervir sobre um objeto, há que se estabelecer uma relação para se conhecer o projeto de felicidade daquele sujeito.
    Na perspectiva de um efetivo cuidado, o encontro terapêutico deve abrir possibilidades de colocar o sentido instrumental das técnicas (êxito técnico) a serviço dos projetos de felicidade daqueles que buscam a atenção, assim este encontro resultará em sucesso prático. O importante no cuidado é a permeabilidade da racionalidade técnica da atenção aos aspectos não técnicos que imprimem significado prático a sua aplicação. A possibilidade da ligação entre sucesso prático e êxito técnico, produzido pela sabedoria prática, num encontro terapêutico, se dá na dimensão dialógica, ou seja, pela abertura de um autêntico interesse em ouvir aquele a quem queremos destinar nossas boas práticas, e ser por ele ouvido.
11
    Sobretudo é importante enfatizar que as práticas de promoção à saúde detém enorme potencial para a promoção do conforto, quando capazes de contribuir para a prevenção do gigantesco desconforto vivenciado pelos sujeitos estudados que consistiu em adoecer.3,4 A doença é o padecer que impede o indivíduo de ser, limitando as possibilidades de realização da vida cotidiana que dá sentido a existência. Assim sendo, as práticas de cuidar vinculam-se ao conforto quando o usuário dos serviços de saúde desfruta de interações com profissionais que o ajudam a encontrar, no âmbito de suas possibilidades, novas formas de ser e melhor viver, ou seja, que dêem sentido a experiência que vivencia e assegurem menor risco de surgimento de agravos á saúde e de reposição de fatores de risco para retorno ou piora da doença . Este é um outro espaço para a intervenção da enfermagem: o(a) enfermeiro(a) pode promover conforto ao atuar na esfera preventiva e educativa.4
    Uma vez hospitalizados os indivíduos estudados relataram o rompimento com a vida familiar, com o trabalho, com a vida social, com o exercício da sexualidade, enfim, estavam privados de contato com o mundo. Internados passaram a interagir com um conjunto de normas e comportamentos que nada tinham a ver com seus papéis cotidianos, mas com o papel de paciente. Submeteram-se a rotina hospitalar: horário de banho, mudança do padrão alimentar, restrições às visitas, às distrações e a intimidade dos relacionamentos habituais. Muitas vezes precisaram ficar confinados ao leito, expor e sentir a sua intimidade corporal violada. O desconforto foi instaurado.3,4
    Face à interação com esses desconfortos produzidos pela hospitalização, compreende-se que as práticas de cuidar podem promover conforto ao assegurar ao máximo o suporte habitual social e espiritual do indivíduo. O apoio do grupo familiar, dos amigos e da espiritualidade é necessário para o enfrentamento da experiência com menor sofrimento. Assegurar a presença dos entes queridos pode oferecer proteção, amor, segurança, distração e apoio. Além disso, flexibilizar normas e rotinas é reconhecer a singularidade de cada um que precisa dos cuidados profissionais do(a) enfermeiro(a). Na vida cotidiana, de modo geral, tem-se autonomia para agir segundo os próprios desejos, prazeres, impulsos e escolhas. Portanto, as práticas de cuidar devem preservar ao máximo essa autonomia, antes que reduzir o indivíduo ao papel de paciente obediente, passivo, resignado, privado da possibilidade de escolha e decisão. Precisam respeitar ao máximo a intimidade corporal, considerando os sentimentos de pudor ou constrangimento dos usuários.
    Internados, os indivíduos conviveram com a insegurança sobre o que está por vir: a duração da hospitalização, o tempo de sua vida que teria de despender para o tratamento, a possibilidade de o tratamento dar conta de sua recuperação e garantir o retorno ao cotidiano. Muitos oscilaram entre a perspectiva otimista de solução terapêutica e o temor pessimista de não haver chance de recuperação. Puderam temer a iatrogenia, a insuficiência ou ineficácia do cuidado e tratamento, perceber a morte como possibilidade mais concreta daquele momento. Outro desconforto foi instaurado: a incerteza de ter a vida recuperada, a dependência da existência sob domínio da racionalidade médico-científica, o processo de tratamento seguindo uma racionalidade externa a si mesmo.
3,4
    Retomamos aqui a promoção do conforto pela expressão da excelência técnico científica e ressaltamos que o desconforto da incerteza de ter a vida recuperada é potencializado quando ao adoecer, o indivíduo é privado de informações sobre si próprio e sobre o tratamento, recebe pouca, nenhuma ou incompreensível informação sobre o que está acontecendo ou virá a acontecer consigo mesmo. Vive a condição de desconhecer o pensar e fazer da equipe de saúde, é surpreendido por procedimentos inesperados, não recebe explicações ou é prevenido quanto aos próximos passos do tratamento, restando apenas imaginar ou temer o que possa vir a acontecer. Nessa perspectiva as práticas de cuidar promovem conforto quando o sujeito não fica à margem da decisão sobre as ações da equipe de saúde para o cuidado e tratamento, não se sente sob o controle do outro, mas potente para escolher e decidir diante do saber técnico-científico compartilhado. As práticas de cuidar podem aliviar esse desconforto quando possibilitam a confiança do usuário na eficácia dos procedimentos, quando são capazes de oferecer a real esperança de recuperação da vida. O sofrimento é suavizado quando reconquistam a autonomia e vêem a chance de sobreviver o que ameaça a vida.
    Para promoção do conforto os modelos de atuação da enfermagem não podem assumir a configuração da fragmentação do cuidado prestado, reduzindo o usuário à condição de mero objeto de tarefas; e desvio das funções de cuidado aos usuários para aquelas meramente burocráticas, que não demandam competência técnico-científica ou de relacionamento interpessoal. Isso ameaça o princípio de justificativa e legitimação da enfermagem como profissão, qual seja a promoção do conforto.
    Como profissionais de saúde, devemos ter como foco o resgate da dimensão humana das práticas de cuidar, da revalorização da sensibilidade enquanto instrumento de ação. Sem desconsiderar o aparato tecnológico, essas práticas devem combater a desconsideração, a manipulação e a fragmentação do ser humano cultivando o respeito fundamental à preservação da identidade e o reconhecimento dos direitos individuais.
12 É válido lembrar que o sentido de conforto modifica-se nas interações dos usuários dos serviços de saúde com os diferentes objetos sociais, os quais podem ser significados de modos diferentes de acordo com a cultura, a condição social e econômica, as experiências etc. Portanto, as práticas de cuidar em enfermagem com vistas a promoção do conforto devem constantemente considerar os sentidos atribuídos ao conforto pelos indivíduos que vivenciam e interagem com situações específicas.
    Imaginando-se um candidato potencial aos recursos da enfermagem, diz Santin: "Quando eu precisar dos préstimos da enfermagem, (...) O que eu desejaria encontrar na enfermagem seria uma presença. Estar presente significa estabelecer laços pessoais de intersubjetividade, onde há espaço para a confiança e a esperança - e gostaria que essa presença tivesse mãos hábeis e carinhosas. Hábeis porque fundadas em conhecimentos seguros e dotadas de técnicas eficazes; carinhosas, porque inspiradas num coração sensível. Acima de tudo, gostaria que esta presença tivesse um rosto. Um rosto comunicativo, expressivo, falante, mesmo no mais profundo do silêncio; e o rosto fosse iluminado por um olhar humano, como um elo que me une a todos os olhares amigos que esperam a restauração da plenitude da vida; ou então, o último gesto que comunica com a paisagem da vida que desaparece. Gostaria que esse olhar da enfermagem, mais que um adeus de despedida, fosse uma lembrança agradável e eterna de um mundo que fica".
17:129-130
    A promoção do conforto deve ser a motivação básica da ação do(a) enfermeiro(a), como uma categoria política e ética que norteia as práticas de enfermagem.3 A promoção do conforto deve ser entendida como um direito à saúde e, portanto, dentre outros fatores, é preciso assegurar aos usuários dos serviços o acesso ao cuidado integral, é imprescindível a interdisciplinaridade da ação.
    Uma visão holística possibilitaria a(o) enfermeira(o) o reconhecimento da pessoa, antes que do corpo doente ou paciente. Possibilitaria a construção de um conhecimento ético a serviço da recuperação da humanidade do homem. Um enfermeiro, assim formado, seria um profissional consciente dos determinantes sociais, políticos, históricos e ideológicos da profissão, para a crítica e ação nos contextos das práticas de saúde.

Considerações finais

    As práticas de cuidar em enfermagem promovem conforto quando os usuários dos serviços de saúde interagem com a competência técnico-científica, ético e humanística desse(a) profissional. Para a promoção do conforto é inquestionável a importância da tecnologia colocada à disposição da manutenção da vida humana e do alívio do sofrimento, aliada a interações em que os usuários sintam valorizada a sua condição de sujeito. Se por um lado a racionalidade exclusivamente instrumental produz conforto porque pode salvar a vida, também é verdade que quando intervém meramente na parte mecânica pode ser fonte total de desconforto. Portanto, a promoção do conforto depende de práticas de cuidar que conciliem sensibilidade e racionalidade na atividade da enfermagem.

Referências

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